Sempre me fascinaram as viagens como momentos privilegiados de apendizagem.
Fiquei maravilhado com a leitura do livro de Goethe "Viagem à Itália". Aí o trajecto do poeta motra-nos a vivência iniciática duma aprendizagem feita através do ver atento da paisagem, dos edifícios, dos homens.
Nada escapa à sua curiosidade: a geologia das ravinas, as plantas que observa no Jardim Botânico, os edifícios, tudo ressalta daquela visão penetrante.
Não se trata apenas do olhar passivo. É um ver reflexivo que pergunta, que capta e faz compreender o que nos cerca. A lição de Goethe é assim uma das mais extraordinárias aventuras do espírito de auto-aprendizagem.
Foi com esta referência que me meti a caminho num percurso de milhares de quilómetros com os meus amigos arquitectos Luís Pinto Faria e Queirós.
Além da viagem seria a experiência dum percurso longo, metidos numa auto-caravana já um tanto gasta de outras viagens anteriores.
Assim, para além de procurar "ver" atentamente a paisagem e os lugares que nos levariam à região do Ruhr, para uma visita de estudo a convite do meu amigo Herbert Dreiseitl do projecto ecológico de reabilitação da área envolvente do rio Emscher, teríamos a "prova" de uma vivência de milhares de quilómetros juntos no calhambeque ruidoso que era esta minha auto-caravana.
Desta experiência, não menos rica de aprendizagem, que nos levou à beira de um acidente na auto-estrada onde caía uma chuva torrencial, ao roubo da nossa câmara de víedo num self-service dum shoping, até ao dormir agitado nas áreas de serviço das auto-estradas para poupar tempo e dinheiro, tudo concorreu para esta espécie de "Paris-Dakar" cultural que, no nosso caso, nos levou do Porto até ao Emescher Park, na área do Ruhr, onde ficamos alojados na pequena aldeia de Gelsenkirchen, no norte da Alemanha.
Mas o que aqui quero relatar hoje, como pormenor acidentado e rico de experiências dessa viagem, foi a visita que fizemos a Caudry, uma pequena vila em França, perto de Cambrai, já muito próximo da fronteira com a Bélgica.
Fomos ver, sob indicação do professor Lefebvre, da Faculdade de Arquitectura de Paris, um liceu especial, cuja arquitectura era da responsabilidade do conhecido arquitecto Lucien Kroll.
Este edifício insere-se numa experiência pedagógica integrada num programa especial conhecido como construções de "alta qualidade ambiental" (haute qualité environementale).
Este programa, especialmente concebido para edifícios escolares tem um interesse muito especial. Trata-se de dar uma resposta ecológica aos edifícios públicos para que se tornem peças exemplares.
No caso das escolas isto tem um interesse suplementar. As crianças e os jovens aprendem a gerir lugares especiais e ao vivenciarem uma experiência de vida num meio ambiente ecológico, tornam-se os melhores defensores destes novos "dispositivos topológicos" para uma sociedade ecologicamente sustentável.
Esta filosofia pedagógica parece-me essencial para Portugal e constituiria uma forma concreta de exemplarmente se fazer pedagogia social para uma mudança de paradigma.
Vejamos, em traços largos, como é que Lucien Kroll realizou a proposta para um liceu que, programaticamente deveria ter em conta os seguintes requisitos: Escolha de materiais não tóxicos e recicláveis; Poupança hídrica e reutilização das águas das chuvas; Redução de gastos energéticos; Implantação ecológica na paisagem. A aposta do arquitecto foi a de construir, duma forma integrada e a uma pequena escala (escala doméstica), o conjunto de edificações e lugares de apoio ao liceu. Serviços administrativos e cantinas, pequena horta e jardins articulam-se com edifícios de salas de aulas e oficinas. Uma clara estratégia pedagógica revela-se neste "modelo" descentralizado e com preocupações de eco-sustentabilidade.
Os edifícios são na sua maioria construídos de madeira, material reciclável por excelência.
A bioclimatização faz-se através de estufas de vidro inseridas no próprio processo de articular as construções. Sistemas de ventilação, árvores, pequeno lago, disposição solar, inércia térmica dos materiais são os principais processos para uma bioclimatização solar passiva.
Com este "eco-sistema" poupam-se gastos energéticos substanciais pois este tipo de bioclimatização regulariza o essencial das variações térmicas.
A organicidade das formas e o paisagismo envolvente, dão à edificação um carácter acolhedor e humanizado.
Trata-se de uma aproximação holística à arquitectura e ao território: a construção dos edifícios conjuga-se e torna-se paisagem. E a paisagem é a consciencialização plástica e ecotécnica do ecosistema visando objectivos dum desenvolvimento durável, ou seja dum ecodesenvolvimento que, como se expressa no texto de Brundtland, "tem em conta as necessidades actuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras".
Jacinto Rodrigues
Professor catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
(In Jornal "a Página" , ano 11, nº 114, Julho 2002, p. 10)
Fiquei maravilhado com a leitura do livro de Goethe "Viagem à Itália". Aí o trajecto do poeta motra-nos a vivência iniciática duma aprendizagem feita através do ver atento da paisagem, dos edifícios, dos homens.
Nada escapa à sua curiosidade: a geologia das ravinas, as plantas que observa no Jardim Botânico, os edifícios, tudo ressalta daquela visão penetrante.
Não se trata apenas do olhar passivo. É um ver reflexivo que pergunta, que capta e faz compreender o que nos cerca. A lição de Goethe é assim uma das mais extraordinárias aventuras do espírito de auto-aprendizagem.
Foi com esta referência que me meti a caminho num percurso de milhares de quilómetros com os meus amigos arquitectos Luís Pinto Faria e Queirós.
Além da viagem seria a experiência dum percurso longo, metidos numa auto-caravana já um tanto gasta de outras viagens anteriores.
Assim, para além de procurar "ver" atentamente a paisagem e os lugares que nos levariam à região do Ruhr, para uma visita de estudo a convite do meu amigo Herbert Dreiseitl do projecto ecológico de reabilitação da área envolvente do rio Emscher, teríamos a "prova" de uma vivência de milhares de quilómetros juntos no calhambeque ruidoso que era esta minha auto-caravana.
Desta experiência, não menos rica de aprendizagem, que nos levou à beira de um acidente na auto-estrada onde caía uma chuva torrencial, ao roubo da nossa câmara de víedo num self-service dum shoping, até ao dormir agitado nas áreas de serviço das auto-estradas para poupar tempo e dinheiro, tudo concorreu para esta espécie de "Paris-Dakar" cultural que, no nosso caso, nos levou do Porto até ao Emescher Park, na área do Ruhr, onde ficamos alojados na pequena aldeia de Gelsenkirchen, no norte da Alemanha.
Mas o que aqui quero relatar hoje, como pormenor acidentado e rico de experiências dessa viagem, foi a visita que fizemos a Caudry, uma pequena vila em França, perto de Cambrai, já muito próximo da fronteira com a Bélgica.
Fomos ver, sob indicação do professor Lefebvre, da Faculdade de Arquitectura de Paris, um liceu especial, cuja arquitectura era da responsabilidade do conhecido arquitecto Lucien Kroll.
Este edifício insere-se numa experiência pedagógica integrada num programa especial conhecido como construções de "alta qualidade ambiental" (haute qualité environementale).
Este programa, especialmente concebido para edifícios escolares tem um interesse muito especial. Trata-se de dar uma resposta ecológica aos edifícios públicos para que se tornem peças exemplares.
No caso das escolas isto tem um interesse suplementar. As crianças e os jovens aprendem a gerir lugares especiais e ao vivenciarem uma experiência de vida num meio ambiente ecológico, tornam-se os melhores defensores destes novos "dispositivos topológicos" para uma sociedade ecologicamente sustentável.
Esta filosofia pedagógica parece-me essencial para Portugal e constituiria uma forma concreta de exemplarmente se fazer pedagogia social para uma mudança de paradigma.
Vejamos, em traços largos, como é que Lucien Kroll realizou a proposta para um liceu que, programaticamente deveria ter em conta os seguintes requisitos: Escolha de materiais não tóxicos e recicláveis; Poupança hídrica e reutilização das águas das chuvas; Redução de gastos energéticos; Implantação ecológica na paisagem. A aposta do arquitecto foi a de construir, duma forma integrada e a uma pequena escala (escala doméstica), o conjunto de edificações e lugares de apoio ao liceu. Serviços administrativos e cantinas, pequena horta e jardins articulam-se com edifícios de salas de aulas e oficinas. Uma clara estratégia pedagógica revela-se neste "modelo" descentralizado e com preocupações de eco-sustentabilidade.
Os edifícios são na sua maioria construídos de madeira, material reciclável por excelência.
A bioclimatização faz-se através de estufas de vidro inseridas no próprio processo de articular as construções. Sistemas de ventilação, árvores, pequeno lago, disposição solar, inércia térmica dos materiais são os principais processos para uma bioclimatização solar passiva.
Com este "eco-sistema" poupam-se gastos energéticos substanciais pois este tipo de bioclimatização regulariza o essencial das variações térmicas.
A organicidade das formas e o paisagismo envolvente, dão à edificação um carácter acolhedor e humanizado.
Trata-se de uma aproximação holística à arquitectura e ao território: a construção dos edifícios conjuga-se e torna-se paisagem. E a paisagem é a consciencialização plástica e ecotécnica do ecosistema visando objectivos dum desenvolvimento durável, ou seja dum ecodesenvolvimento que, como se expressa no texto de Brundtland, "tem em conta as necessidades actuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras".
Jacinto Rodrigues
Professor catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
(In Jornal "a Página" , ano 11, nº 114, Julho 2002, p. 10)
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