segunda-feira, julho 17, 2006

O paradigma em transição, o mercado e o ensino da arquitectura e do urbanismo

Por Jacinto Rodrigues

1. O estudo sobre as instituições pedagógicas exige uma análise aos mecanismos de funcionamento e gestão, aos currículos formativos e aos conteúdos programáticos. Exige ainda a compreensão dos perfis pedagógicos dos docentes e as relações existentes entre a formação curricular e os formandos.

As instituições pedagógicas têm assim especificidades próprias que lhes conferem um maior ou menor grau de qualificação científica e também uma maior ou menor democraticidade no funcionamento. Ainda, a estrutura curricular garante uma maior ou menor abertura crítica ao sistema de reprodução de poder.

Esta análise intrínseca dos vários sujeitos e desempenhos, no interior das instituições, é importante para a compreensão do modelo de ensino, permitindo caracterizar a rigidez ou a flexibilidade da organização face à mudança social.

Assim, a universidade, tal como qualquer instituição total, manifesta o seu carácter carceral, assistencial ou autonomizador através das suas lógicas disciplinares.

Não é objectivo deste artigo fazer "análise institucional". Pretende-se aqui, situar as instituições de ensino da arquitectura e do urbanismo, à luz dos paradigmas económico-sociais em que se inserem, revelando as pressões exercidas pelo mercado e pela dinâmica histórica produzida pelos conflitos sociais e pelas transformações técnicas.

2. Importa perceber que a noção de paradigma aqui utilizada, não expressa uma tipologia estática. O movimento histórico das relações sociais, das tecnologias e das ideias, manifesta-se através de antagonismos e contradições entre vários protagonistas e desempenhos sócio-profissionais que se expressam nas convulsões ou mudanças organizacionais. Daí que a noção de paradigma apareça como referente didáctico, pois na realidade existem transparadigmas que se metamorfoseiam ou entram em ruptura continuamente, manifestando diferentes aspectos do poder político, ora hegemónicos, ora subalternizados.

Acontece que, o que se nos afigura como a hegemonia dum poder, revela muitas vezes a fase final desse "modelo", prestes a sucumbir na voragem dos antagonismos que esse próprio poder gerou.

O capitalismo desta etapa da globalização, ou seja, da era da biotecnologia e da informática, acelerou a concentração monopolista e hegemoniza, graças ao capital financeiro, todos os processos de produção, consumo material. E tem expressão também no conhecimento, ou seja, nos quadros referenciais da produção teórica.

A globalização é pois a continuação dum processo da mundialização do capital, iniciado desde o séc. XV. Porém, as transformações técnicas e organizativas sofreram metamorfoses sucessivas.

Se o capitalismo do petróleo e da electricidade tinha o "fordismo" como expressão moderna do funcionamento das empresas e das instituições, privilegiando o carácter dos "estados-nação", o capitalismo da globalização tem o "toyotismo" como expressão das novas formas de organização empresarial. Nesta última fase, o "império" pretende sobrepôr-se ao "estado-nação". Uma cultura supra-modernista manifesta-se através dum desejo de integração mundializada dos estados, num consumismo de massas mais alargado e numa cultura dominante onde a indústria mediática valoriza o "entretimento", o pensamento e o comportamento homogeneizados, permitindo apenas singularidades "guetizadas" para aparentes consensos democráticos com maior eficácia do que consensos totalitários, impostos violentamente.

Esta nova fase foi acentuada por uma dupla estratégia que desenvolveu em simultâneo:

  • a livre concorrência do neo-liberalismo conducente à vitória dos mais poderosos (factor essencial da monopolização crescente);
  • uma regulação estratégica entre os interesses hegemónicos através de organizações mundiais com atribuições económicas no mercado (F.M.I., U.E., A.P.E.C., MERCOSUR). Essas instituições governamentais mundiais fixaram também quadros jurídicos e políticos para esta "nova ordem mundial" (O.N.U., O.C.D.E., O.M.C.). E a tradução militar dessa regulação unificou os países de economia dominante numa estratégia geo-político-militar através da N.A.T.O.

Assim, assistimos por um lado a uma sociedade fragmentada e a uma cultura de mosaico, de conflitualidade e decomposição crescente (droga, criminalidade, doença, exlusão). Por outro lado, outras expressões sociais intentam fabricar consensos de maiorias com intuitos de marginalização das minorias críticas a este modelo dominante.

Assim, acentuam-se os laços de cosmopolitismo entre o capital monopolista que se caracteriza pela sua implantação transterritorial e graças ao anonimato dos accionistas. Nesta óptica, o estado e os governos tornam-se empresas de gestão dos interesses monopolistas. E os políticos têm tanto mais eficácia quanto maior "arregimentação" popular conseguem para a representatividade desse poder.

Estas mudanças significativas na mundialização económica, afectam toda a sociedade.

Para a consolidação dessa estratégia são necessários dispositivos territoriais que consolidem e façam reproduzir essa mesma estratégia de poder.

- As metropólis constituem a expressão territorial deste novo ordenamento em que os "shopings", as "gares" e os aeroportos se disseminam numa descentração geo-política dos pólos decisionais, das zonas estratégico-militares e dos pólos tecno-científicos. Não existe uma verdadeira descentralização onde participem as populações, mas sim uma descentração para maior flexibilidade do poder sobre o território e as populações em geral.

Ao desenvolver-se essa ordem territorial tecnocrática, cresce, ao mesmo tempo, uma desordem na periferia. A "cancerização" urbana, aloja os excluídos, forja as "metástases" dos subúrbios degradados, dormitórios depósitos onde se refugiam emigrantes e outros excluídos.

Surgem modelos duma nova arquitectura que se apresenta como processo de reforço engenharial em que a tecno-ciência é empregue na "requalificação" de fachadas. Procuram situações de espectáculo para a promoção do poder político, ao mesmo tempo que se diversificam novos centros de consumo e se flexibilizam novas formas de domínio através de dispositivos topológicos que são novas formas de panópticos modernizados.

Esta arquitectura funciona "como rosto do poder" sem mudança estrutural.

O design da arquitectura e do urbanismo que melhor se adapta a este processo de homogeneização promove, a par de linguagens únicas e dominantes, diferenciações aparentes, graças a um certo uso do desenho assistido por computadores.

Assim, os novos modelos de arquitectura e urbanismo, do chamado supra-modernismo, caracterizam-se por um neo-funcionalismo "high-tec" que se permite revestir com "singularidades" formais, maquilhagens do artifício produzido por essa computarização do design, submetida aos designers do lucro.

3. Assim, um certo ensino da arquitectura e do urbanismo é chamado a consolidar esta estratégia dominante.

Acontece porém que, face a esta visível globalização do modelo capitalista, surgem contradições cada vez mais consequentes, na sua expressão de mudança e alternativa.

Não se torna evidente o apagamento dos nacionalismos face aos interesses internacionais do capitalismo. Surgiram mesmo expressões nacionalistas, cada vez mais agressivas, não se podendo afirmar a falência dos estados-nação.

Assim , ao estudarmos o paradigma da globalização, não podemos deixar de analisar as conflitualidades crescentes que assentam no antagonismo social.

A globalização acelerou o esgotamento dos recursos naturais e fez aumentar a poluição. As contradições entre o capital e o trabalho levaram à crescente exclusão de novos grupos sociais, aparecendo novas frentes de lutas. O fosso entre os países de economia dominante e os países de economia dominada foi-se alargando, produzindo uma miséria crescente, uma situação larvar de guerra e genocídio que caracteriza os fenómenos políticos mais evidentes nos países de economia dominada.

Clarificam-se estratégias, acentuam-se polaridades entre o modelo civilizacional tecno-científico e uma proposta alternativa de desenvolvimento ecologicamente sustentável. As preocupações ecológicas são cada vez mais evidentes e as alternativas concretas vão já surgindo como expressão do novo paradigma emergente.

O desenvolvimento ecologicamente sustentável torna-se assim mais claro aos olhos dos cidadãos que sofrem as consequências da globalização, geradora de poluição e de esgotamento dos bens naturais.

Também o movimento social, contra a globalização monopolista, começa agora a dar novos passos em torno de uma geo-política internacionalista e solidária. O movimento de Seatle até Porto Alegre aponta para uma nova esperança do movimento social em busca de soluções de um novo modelo civilizacional em que as energias renováveis, os processos de reciclagem e de regeneração da natureza, consigam impôr-se aos cataclismos gerados pelo paradigma da globalização. É a sociedade civil em busca de uma economia mais humanizada.

Essas rupturas ideológicas e esses novos desafios sociais, inserem-se em múltiplas brechas abertas na sociedade contemporânea.

Assim, para além das lutas e confrontos claramente manifestados contra o poder, surgem intervenções de mudança no próprio terreno instituído. Existem assim processos de ruptura em simultâneo com acomodações e adaptações.

O sistema da globalização não é incólume às novas reivindicações sociais e ecológicas. O próprio mercado aparece sensível aos novos consumos marcados por uma consciência social verde.

Com efeito, uma base social ecológica alargou-se, cada vez mais, em virtude dos graves efeitos devastadores sobre o planeta, numa exploração cega e destruidora. O alargamento da planetarização faz com que assistamos à pilotagem crescente de interesses financeiros sobre uma nova indústria verde que pretende acomodar-se às novas reivindicações continuando a auferir lucros. Isto porém, é já o sintoma de uma brecha cada vez mais profunda no modelo político hegemónico que subverte a sua própria lógica.

4. Conflito e acomodação caracterizam portanto, a situação actual deste paradigma em transição.

As preocupações de eco-desenvolvimento, as propostas de eco-cidades e o aparecimento do planeamento participado são novas frentes que têm reflexo nas propostas de ensino, no conteúdo dos projectos expressos e na realização de propostas arquitectónicas e urbanísticas. Assim, existem mesmo hoje, realizações de novos projectos de eco-desenvolvimento em curso, provenientes de "estrelas" significativas na arquitectura e no urbanismo que optaram por soluções ecológicas na realização das suas edificações. Os nomes de Foster, Herzog, Pianno, Perraudin e Lucien Croll, aparecem ligados à arquitectura solar e ao eco-urbanismo. As revistas, publicações e congressos de especialidade transcrevem e apoiam cada vez mais projectos ecológicos. Novos utentes reclamam novos lugares. As Câmaras exigem novos tipos de implantações. Estes sinais são significativos e constituem referências para a mudança no ensino da arquitectura e do urbanismo.

Deste modo assistimos a uma conflitualidade que atravessa toda a sociedade entre uma globalização de interesses meramente monopolistas e uma planetarização crescente que resulta de uma tomada de consciência ecológica e social.

O ensino reflecte este antagonismo. Se existem modelos de ensino que tendem a encarar a arquitectura como resposta tecnicista tendo em conta apenas os interesses lucrativos, existem cada vez mais propostas que tendem a expressar alternativas ao processos de planetarização em curso.

5. No terreno institucional aparecem pois estas duas tendências: escolas de ensino onde o perfil do arquitecto assenta essencialmente no pragmatismo, na eficácia, na competitividade tecnocrática e escolas de ensino onde se procura uma reflexão sobre o porquê das formas arquitecturais e urbanísticas e a busca de novas alternativas. Existe ainda, no seio duma mesma escola, esta dualidade de tendências.

O que caracteriza o ensino tecnocrático é o desprezo da reflexão teórica. A história da arquitectura aparece apenas como cardápio de modas. Substitui-se o processo educativo baseado na reflexão, pelo didactismo –expressão operativa – ou seja "treinamento" às respostas previstas pelo poder hegemónico. A tendência tecnocrática pretende apenas saber o "como" fazer.

A tendência crítica orienta-se mais para o "porquê". Procura uma reflexão epistemológica da história da arquitectura e do urbanismo, tendente à criação de respostas mais sensíveis aos interesses públicos. O centro das suas preocupações é o paradigma emergente dum desenvolvimento ecologicamente sustentado. Uma sociedade civil cada vez mais consciente, ecologicamente, á promotora desta nova "encomenda social".

6. A faculdade de arquitectura da universidade do porto, a uma escala reduzida e com o provincianismo que caracteriza o fenómeno português, na periferia destas convulsões mundiais, expressa, no entanto, os antagonismos e as contradições que acabamos de relatar. A orientação "pragmatista do conselho científico desta faculdade, presidida pelo arquitecto Nuno Portas, representa a tentativa de eliminação do ensino teórico reflexivo. Ostraciza-se o ensino teórico e promove-se uma vaga noção de "projecto" que significa uma resposta tecno-formal, alheia dos interesses públicos. Estimula-se o fachadismo e a tecno-ciência em detrimento da eco-técnica e da reflexão teórica. Isso caracteriza o ensino nestes últimos anos e a orientação do seu conselho científico, constituído na base dum golpe burocrático e estatutário.

Porém, é o movimento crescente das questões ecológicas, (reflexo dessa mesma preocupação na sociedade portuguesa e mundial), que vai inventando uma alternativa a esta escola moribunda.

Professor Doutor António Jacinto Rodrigues
Professor Catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
[Texto previamente publicado no Jornal "a Página" , ano 10, nº 100, Março 2001, p. 10]

quinta-feira, julho 06, 2006

Cipreste classificado em Boassas



Por intermédio da Associação Por Boassas [APOBO], foi recentemente classificado como de Interesse Público pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais o "Cupressus sempervirens, L.", existente no jardim da Casa do Outeiro, em Boassas. A povoação está de parabéns, assim como o Vale do Bestança e o próprio concelho de Cinfães que vê, assim, ser classificada a sua primeira árvore. Mais informação pode ser obtida no blogue da APOBO - Boassas (clicar).

(Photo Manuel da Cerveira Pinto . copyright 2006 . all rihgts reserved)